quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Filme deste sábado retrará descobertas de um jovem nas décadas de 50, 60 e 70



O filme “Eu me lembro” será exibido gratuitamente neste sábado (27), às 17h, pelo Cineclube UFGD, no cine-auditório da Unidade I da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), localizada naRua Jo]ão Rosa Góes, 1761, Vila Progresso.
Vencedor de seis prêmios no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro de 2005, o longa-metragem de estreia do diretor Edgard Navarro narra a biografia ficcional de Guiga, rapaz de uma tradicional família de Salvador. As memórias do protagonista, naturalistas e profundamente pessoais, revelam retratos fidedignos de idiossincrasias e maneirismos de nossa cultura. Narradas em um período que engloba as décadas de 1950 a 1970, as descobertas, conflitos e perdas do jovem traçam um panorama histórico da sociedade brasileira naqueles dias e, ao mesmo tempo, fisgam o espectador em uma narrativa elegante e sentimental.
O filme foi produzido em 2005, na cidade de Salvador (BA) e a trilha sonora é de autoria de Tuzé de Abreu que inseriu diversas músicas como “Aquele abraço”, “Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones”, “Eu te amo meu Brasil”, “Mambo da Cantareira”, “Cheguei tarde”, “Luzia Luluza” e “Objeto semi-identificado”.
O longa-metragem foi fornecido ao Cineclube UFGD pela Programadora Brasil, do Cine Mais Cultura, programa do Ministério da Cultura.

Mais informações
http://www.programadorabrasil.org.br/filme/588/
Prêmios: 38º FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO (nov/2005)
* Melhor Filme (Júri Oficial)
* Melhor Direção - Edgar Navarro
* Melhor Atriz - Arly Arnaud
* Melhor Ator Coadjuvante - Fernando Neves
* Melhor Atriz Coadjuvante - Valderez Freitas Teixeira
* Melhor Roteiro - Edgar Navarro
* Melhor Filme (Prêmio da Crítica)

Crítica

DOCE BÁRBARO

Ricardo Calil*

A influência de Federico Fellini em Eu me lembro fica explícita já em seu título. Amarcord (1976), nome do clássico do cineasta italiano, significa “eu me recordo” no dialeto da região de Rimini, onde Fellini nasceu. Se o título não for suficiente, a primeira cena do filme se encarregará de dissipar as dúvidas. Em uma cama de casal, um menino se senta no colo de sua mãe corpulenta, com um seio para fora — lembrando as matronais divas fellinianas que povoam Amarcord e outros filmes do diretor. Mas o que vem a seguir nos recorda de que estamos vendo o primeiro longa-metragem do baiano Edgard Navarro — e não apenas pelo sotaque dos personagens. Ao ser recriminado pela mãe, o menino Guiga grita seguidamente: “Puta! Puta! Puta!”. Leva um tremendo pito do pai e acaba urinando em suas calças curtas.

Essa primeira seqüência já serve para nos situar no terreno de Eu me lembro: ao lado do memorialismo agridoce de Fellini está a irreverência um tanto bárbara de Navarro – discípulo temporão do cinema marginal dos anos 1960 e 1970, autor de curtas e médias metragens fundamentais,mas pouco vistos, como SuperOutro (1987).

Filme assumidamente autobiográfico, com narração em off feita pelo próprio Navarro, Eu me lembro é um romance de formação que o cineasta escreveu com sua câmera, uma narrativa que acompanha a trajetória de Guiga — da infância à juventude, entre os anos 1950 e 1970, em Salvador — ao mesmo tempo em que observa as mudanças do país nesse período. O caráter da narrativa é episódico e elíptico; em vez da trama, Navarro privilegia personagens e situações: as descobertas sexuais, os questionamentos religiosos, as brigas familiares, as experiências com drogas e assim por diante — lembrados pelo cineasta sem qualquer dose de cinismo e com total carinho por cada enquadramento, combinação mais rara do que o desejado no cinema brasileiro.

Perto dos curtas e médias que fizeram a fama de Navarro — O rei do cagaço(1977), por exemplo, tinha um close de um ânus em plena atividade fecal —, Eu me lembro é um filme singelo, cuja maior provocação é mostrar, de forma explícita, o adolescente Guiga se masturbando. As transgressões de seu longa-metragem podem ser inocentes, mas estão longe de ser ingênuas: por trás dos episódios cômicos ou melancólicos, existe um olhar crítico sobre o preconceito de cor e de classe, a hipocrisia religiosa e o autoritarismo paterno — que, em sua visão, reflete o coronelismo político baiano, atacado em um recado rápido, mas eficaz.

Por fim, é preciso lembrar que Navarro levou 30 anos de carreira (e 56 de vida) para realizar este seu primeiro longa — prova de que o caminho do cinema nacional pode ser árduo para aqueles que preferem andar à margem.

*Ricardo Calil Crítico de cinema, redator-chefe da
revista Trip, colaborador do Guia da
Folha, do jornal Folha de S.Paulo, e titular
do blog Olha só, no portal IG.

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